As
células nervosas são as unidades elementares que atuam na elaboração do
comportamento, das sensações, da percepção, do controle dos movimentos e das
emoções, compreende-las significa um importante passo no entendimento da
aprendizagem. Todas as modificações que ocorrem durante a aprendizagem ocorrem
em um primeiro momento nessas células, entender as alterações no tecido nervoso
decorrente de aprendizagens ou do desenvolvimento auxiliam na tomada de decisões
do dia a dia do educador. Tais saberes se inserem no processo educacional de
maneira que o educador e os administradores educacionais possam elaborar
estratégias que facilitem a aprendizagem, bem como contribuir de forma marcante
e crítica na elaboração dos cardápios da merenda escolar, na administração de
psicofármacos e nas diferentes alternativas de estimulação neural.
As
células nervosas são compostas de quatro partes principais (figura 1).
Inicialmente, os dendritos, bastante ramificados e que são as portas de
entrada de estímulos na célula (em suas porções terminais formam os botões pós-sinápticos),
estímulos estes que podem vir de células sensoriais na retina, na pele ou no
epitélio olfatório no nariz, das células da orelha interna ou ainda das papilas
gustativas localizadas na língua, ou podem vir de outras células dos sistemas
nervoso, imune ou endócrino. O corpo celular, onde encontramos o núcleo
e os principais componentes celulares, tem importante função na fabricação das
moléculas comunicantes do sistema e na tomada de decisões da célula neural, de
seguir transmitindo o impulso ou de bloquear o mesmo. Os dendritos e o corpo
celular constituem o que costumamos designar por substância cinzenta ou massa
cinzenta do cérebro. O axônio é o fio condutor de estímulos até o
próximo neurônio ou ainda até uma célula muscular, ele é único, mas pode se
ramificar em centenas de milhares de botões terminais (ou botões préssinápticos)
e apresentar 10.000 ou até 100.000 outras conexões. Por ultimo, as fendas
sinápticas, espaços nos quais as células neurais se comunicam umas com as
outras; são estreitas conexões entre os botões terminais préssinápticos dos
axônios e os botões pós-sinápticos geralmente localizados nos prolongamentos de
dendritos e nos corpos dos neurônios comunicantes. Neste local são liberados
pelo neurônio préssináptico os neurotransmissores que irão atuar nas membranas
plasmáticas pós-sinápticas.
FIGURA 1 – Neurônio contendo suas principais estruturas citoplasmáticas.
FONTE: CARLSON,
Neil. Fisiologia do comportamento. 7.ed. São Paulo: Manole, 2002. p. 28.
Tão
importante quanto os saberes sobre esta estrutura, é sua constituição
molecular, em especial a constituição do longo cabo condutor de estímulos; o
axônio. Os axônios são as porções das células nervosas que constituem a
substância branca, responsável pela condução do impulso elétrico e do sinal ao
longo da sua extensão até a fenda sináptica. De maneira metafórica podemos
pensar neste cabo enquanto um fio de eletricidade, que estando encapado conduz
de forma mais rápida e precisa a eletricidade, deixando a habilidade cognitiva
mais rápida e de maior precisão. A substância branca deve-se ao fato de o
axônio apresentar um revestimento lipídico, uma gordura, que isola
eletricamente esta parte da célula, a Bainha de Mielina. Assim, quanto melhor
encapado mais eficaz será a transmissão e condução do sinal e facilitada será a
liberação de neurotransmissores na fenda sináptica.
Um
fundamental desdobramento deste conteúdo na formação docente refere-se aos
hábitos alimentares e seu impacto sobre os processos cognitivos, a saúde e
integridade do sistema nervoso. A bainha de mielina, aquela capa de lipídios
que reveste os axônios e aumenta a velocidade da condução eletroquímica das
células nervosas, é formada principalmente por Omega 3 (presente nos peixes,
ovos e derivados de animais que forrageiam, sem serem criados com ração, e de
forma menos eficiente e acessível nos grãos como quinoa, amaranto, linhaça) e
por Vitamina B12, a cianocobalamina, sintetizada pelas bactérias da nossa flora
intestinal (iogurtes) a partir do sal mineral cobalto (encontrado em folhas de
verde intenso, como rúcula, couve, brócolis). A maioria dos casos de depressão
pós-parto poderiam ser resolvidos com adição de Omega 3 na dieta das gestantes
e lactantes, que necessitam prover os fetos e recém nascidos deste ácido graxo
para formação do sistema nervoso dos mesmos.
Outro
componente importante na formação da bainha de mielina é a Vitamina D
(calciferol) cujo precursor é encontrado em peixes, gema do ovo, óleos
vegetais, mas que necessitam de raios UV para serem transformados na vitamina
ativa. Por este motivo, pessoas que ficam muito tempo sem sol podem desenvolver
inclusive transtornos do humor (Callegaro, 2006). De 15 a 20 minutos de raios
de sol diretamente sobre a pele, sem estar filtrado por vidro ou protetor
solar, com 25% do corpo exposto.
Existem
nutrientes diretamente relacionados com a memória e aprendizagem. Um dos
principais neurotransmissores envolvidos na aprendizagem é a Acetilcolina,
formado por agrupamentos acetil, comuns nas células, e colina, substância
encontrada na gema do ovo. Também a Vitamina B1, ou tiamina, encontrada em
leveduras, cacau, amendoim, castanhas, está diretamente correlacionada com a
memória de fatos e dados, o que sua insuficiência no cérebro, provocada pelo
consumo abusivo de álcool poderá dificultar a absorção e disponibilidade desta
vitamina e provocar amnésia alcoólica.
Devemos
dar preferência para os açúcares dos vegetais (frutose) que elevam os níveis
glicêmicos lentamente, o suficiente para ter energia para os processos
cognitivos; os açúcares de cadeia curta, como os refinados (sacarose) e
farinhas brancas elevam em demasia os níveis glicêmicos gerando estresse para o
corpo e para a mente e diminuindo a capacidade de atenção e concentração.
O
estudo da neurofisiologia e da neuroquímica por parte dos educadores pode
alterar profundamente os hábitos alimentares de toda a comunidade escolar, e
serem aliados poderosos nos processos educacionais, além de aprender sobre bons
hábitos alimentares, compartilhar o alimento aumenta as amizades, a empatia e
os vínculos emocionais entre as pessoas.
Outro
importante aspecto para a educação é o entendimento do funcionamento das
substâncias na fenda sináptica. Nesta região, enquanto nos botões préssinápticos
são liberados os neurotransmissores (as chaves), no botão pós-sináptico existem
receptores (fechaduras), locais nos quais estes neurotransmissores se ligam
para promover a abertura de canais que estimulam o neurônio pós-sináptico,
novamente em linguagem metafórica, como uma chave em uma fechadura. Muitos dos
nossos conhecimentos, advindos das propostas psicofarmacológicas, se fundamentam
na ideia de que quanto mais neurotransmissor (mais chaves), melhor, o que pode
ser analisado a partir dos mecanismos de ação dos principais medicamentos
utilizados, como o Metilfenidato, princípio ativo que é prescrito para
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Impulsividade, também
utilizado como psicofármaco em inúmeros outros diagnósticos ou sintomatologias,
ver revisão das controvérsias em Campbell-Araujo e Figueroa-Duarte, 2002. Esta
substância atua mantendo a dopamina, neurotransmissor envolvido com inúmeros
processos mentais tais como sistema de recompensa, controle da motricidade fina
e controle dos impulsos, por mais tempo na fenda sináptica, o que significa
maior estimulação dos receptores e maior atividade neural nas vias
dopaminérgicas específicas. As etapas dos principais eventos relacionados ao
mecanismo de ação dos neurotransmissores e a interação com algumas substâncias
pode ser visualizado na Figura 2.
Figura 2 – Exemplos das diferentes etapas da transmissão sináptica e como
algumas drogas (agonistas e
antagonistas) podem alterar a transmissão.
FONTE:
CARLSON, Neil. Fisiologia do comportamento. 7.ed. São Paulo:
Manole, 2002. p.106.
No
entanto, em um estudo realizado em macacos submetidos à dependência de cocaína
que se autoadministravam a droga, os indivíduos que gozavam de maior prestígio
e estavam mais acima na hierarquia social usavam significativamente menos droga
do que os subordinados, e apresentavam maior nível de receptores (as
fechaduras) para dopamina da classe D2, relacionado ao sistema de recompensa
(Kuhar, 2002). Mais receptores para o prazer, menores as chances de
comportamentos de risco e uso abusivo de drogas. A cocaína também é uma
substância que inibe a recaptação da dopamina, aumentando a sensação de
recompensa no cérebro, motivo pelo qual esta droga provoca forte dependência
química. Portanto, mais importante do que despejar ou manter grandes
quantidades de neurotransmissor na fenda parece ser apresentar uma maior quantidade
de receptores no botão préssináptico.
Muitos
desdobramentos para análise e discussão emergem destes conhecimentos de
neuroquímica, mas podemos destacar dois pontos cruciais na prática e crítica
docente. Primeiramente, o uso indiscriminado e pouco criterioso de grandes
quantidades de psicofármacos com muitos efeitos colaterais indesejáveis (vide
qualquer bula de Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina nos
transtornos do humor ou de fármacos a base de metilfenidato como o Concerta,
2015) e efeitos terapêuticos questionáveis. O outro ponto está relacionado
imediatamente com um papel central da escola, o de inclusão e ponto de suporte
para o crescimento pessoal e ascensão social. A escola na maioria das vezes é o
único lugar da realidade social de nossas crianças e adolescentes que
possibilita um vislumbre real de melhoria na qualidade e satisfação frente à
vida, um aumento nas chances de sobrevivência e perpetuação de si, bem como,
coerência de suas estruturas. Colocar o aluno “para cima” de maneira apropriada
é papel crucial de qualquer educador.
Nos
estudos básicos sobre o tecido nervoso, na formação continuada para educadores,
valiosos são os estudos sobre neuroplasticidade. A plasticidade neural pode ser
definida como toda modificação estrutural ou química no sistema nervoso
decorrente da aprendizagem, de experiências, após lesões, traumas (Lent, 2004).
Mudanças no ambiente externo e/ou interno do organismo geram respostas
plásticas dos neurônios. O principal propósito da aprendizagem é adaptar o
organismo com sucesso ao ambiente, que está sempre em mudança. As mudanças no
ambiente podem representar mudanças significativas na morfologia celular do
cérebro e na sua anatomia. Existem inúmeras maneiras de estas mudanças
ocorrerem, a mais comum delas é a proliferação dos espinhos dendríticos, que
crescem na direção de outros neurônios para estabelecer novas conexões
sinápticas. Como discutido anteriormente, um neurônio pouco estimulado, uma
célula estelar (formato de estrela) localizada na superfície do cérebro,
apresenta aproximadamente 10.000 conexões com outras células neurais. A partir
da estimulação diferencial, este número pode saltar para 100.000 conexões.
Existe um crescimento dos dendritos em direção a outras células neurais a
partir do momento que o neurônio necessita produzir respostas a mudanças do
meio. Em dois grupos de ratos, um submetido a
ambiente empobrecido com apenas comida e água, e o outro grupo com ambiente
enriquecido com barra para roer, roda de estimulação, rampa e estratos elevados
do ambiente e posteriormente foram analisadas as células estelares do córtex
cerebral nos dois grupos de ratos. As células estelares são as principais
células relacionas a plasticidade neural a partir da aprendizagem. No grupo de
ratos com ambiente enriquecido, as células estelares proliferaram suas conexões
para dar conta de responder ao enriquecimento e aumento de estímulos, como pode
ser visto na Figura 3.
Figura 3: Experimento demonstrando a plasticidade neural a partir da
aprendizagem e do aumento do número de conexões neurais das células estelares
do córtex.
Ambientes educacionais empobrecidos não proporcionam a proliferação ampla
de conexões sinápticas, o que pode ter implicações negativas para futuras
reestruturações ao longo da vida do indivíduo. Os painéis, exposições de
trabalhos dos alunos, esquemas e mapas conceituais, herbários e laboratórios,
hortas, computadores e demais instrumentos disponibilizados nas salas de aula
equivalem aos brinquedos na caixa do segundo grupo de ratinhos. Os trabalhos
dos alunos expostos nas paredes da sala de aula apresentam um componente a mais
neste sentido, pois proporcionam vinculação emocional ao ambiente de
aprendizado, respostas de vínculo, segurança e pertencimento, diminuindo o
estresse. Não por acaso, as crianças procuram imediatamente os seus trabalhos
entre os vários publicados nas paredes da escola.
Outra questão importante é a
ocorrência do que Ramachandran denomina “membro fantasma”. Este pesquisador da
Universidade da Califórnia, em San Diego, realizou inúmeros experimentos de
discriminação de estímulos sensoriais utilizando um cotonete, mas também
trabalhou com pessoas que haviam amputado alguma parte do seu corpo. Durante um
experimento com um homem que havia amputado o braço, o pesquisador solicitou
para ele que fechasse os olhos e tocou suas bochechas com um cotonete. O paciente
relatou estar sentindo o cotonete na bochecha e no seu braço amputado. Como o
homem sentiu o toque na bochecha e no seu braço amputado? O que ocorre neste
caso é que o mapa somatossensorial, ou seja, as áreas corticais primárias das
sensibilidades do corpo são adjacentes umas as outras, e muitas vezes estas
representações podem se confundir (Ramanchandran, 2004). Ver o texto sobre
mapas somatotópicos em Relações entre imagem corpórea e identidade sexual e
social.
De maneira ampla o cérebro pode se
adaptar consideravelmente ao longo da vida. Uma criança apresenta um potencial
maior de plasticidade do cérebro do que um indivíduo adulto, mas os inúmeros
casos de pessoas que sofreram traumatismos cranianos com lesões no cérebro ou
mesmo de isquemias e acidentes vasculares cerebrais e que perdem alguma
habilidade específica, como a fala, ou a motricidade de um membro, ou mesmo a
sensibilidade de uma área do corpo e que com o tempo voltam a ter estas
habilidades novamente. Áreas adjacentes àquela lesionada assumem o controle ou
a percepção do conjunto de neurônios mortos. A estimulação será importante
componente de reabilitação neuropsicológica, trabalho amplamente desenvolvido
por fonoaudiólogos, fisioterapeutas e neuropsicólogos. Pouco na literatura é discutido
sobre o papel da estimulação diferencial e seu uso nos ambientes educacionais
em crianças com dificuldades de aprendizagem ou aquelas que desejem melhorar
suas habilidades e aptidões ou adquirir algumas novas.
Em um experimento clássico (Jenkins et. al., 1990) um macaco foi treinado
por uma hora por dia para realizar uma tarefa que requeria o uso dos dígitos 2
e 3, e ocasionalmente, o dígito 4. Após 3 meses eles mediram as áreas do córtex
motor primário dos indivíduos antes e depois de receberam a estimulação
diferencial. A figura 4 ilustra as alterações estruturais do encéfalo devido à
aprendizagem.
Figura 4 - A1:
Estimulação diferencial dos dígitos 2,3 e 4 de macaco, A2: áreas do mapa
somatotópico no córtex representando os dígitos antes da estimulação
diferencial e A3: após a estimulação diferencial.
FONTE: KANDEL, Eric,
SCHWARTZ, James e JESSELL, Thomas. Princípios
da neurociência. São Paulo: Manole, 2003. p.1274.
Proporcionar e motivar o educador e
educadora para a busca de conhecimentos nas áreas de Neurociências, Fisiologia e Ciências Cognitivas de
forma aprofundada é de fundamental importância se quisermos melhorar as
capacidades de aprendizado dos educandos, fundamental para todos os processos
de educação inclusiva e especial. Também estes conhecimentos se tornam
particularmente importantes no que tange a uma formação crítica do
educar/educadora, bem como, nos desafios que constituem o fazer educacional em
tempos de humilhação, desmerecimento e ridicularização do papel do professor,
delegado a um plano marginal e com condições de trabalho insalubres. Educar e
instruir não são papéis para aventureiros, nem tampouco deve ser pensado por
políticos que desconheçam os processos e a importância desta instância na
construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Referências bibliográficas:
Callegaro, J. N. Mente
criativa: a aventura do cérebro bem nutrido. Petrópolis: Vozes, 2006.
Campbell-Araujo,
O. A. & Figueroa-Duarte, A. S.
Trastorno Del déficit de La atención-hiperatividad (TDAH): Tópicos de
controversia em su dignóstico y tratamiento. Archivo de Neurociencia de México. 7(4): 197-212. 2002.
Carlson, Neil. Fisiologia do
comportamento. 7.ed. São Paulo: Manole, 2002.
Concerta:
Cloridrato de Metilfenidato. São José dos Campos: Janssen-Cilag Farmacêutica
LTDA, 2015. Bula de remédio. Disponível em:
http://www.janssen-cilag.com.br/bulas/concerta%C2%AE. Acesso em: 20 jan 2015.
Kandel, Eric, Schwartz, James e Jessell,
Thomas. Princípios da neurociência.
São Paulo: Manole, 2003.
Kuhar, Michael. Social rank and vulnerability to
drug abuse. Nature Neuroscience 2(5):88-90, 2002.
Lent, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências.
São Paulo: Atheneu, 2004.
Ramanchandran, V. S. &
Blakeslee, S. Fantasmas no cérebro.
2.ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002.
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